11 dezembro 2005

Calendário

abre no calendário
o dia de sol mais bonito
o dia de sol esquecido
o sol em que o fogo, incontido,

me dá o calor que preciso

07 outubro 2005

Vida e Morte

vida e morte são parte
de uma coisa só
o nome é que não existe


uma guarda a ciência da outra

estão refletidas no espelho
num reconhecimento de gêmeas
todo o tempo de existir

mistérios há, do mesmo tanto,
nas duas

e no ponto em que uma culmina
a outra continua

mas evitamos
no olho gêmeo a sombra na retina
no olhar do outro, refletida,
a mesma sina

até que um dia
a vida vem e revela
que nela

só morte havia à espera

Ensaio de um Reconhecimento

como se tantos espelhos gigantes
dispostos uns contra os outros
trincassem
em mais e mais ângulos, cortes
o teu corpo ao centro do quarto

são quatro paredes de vidro
retendo de ti várias faces

e todos os olhos vidrados
em tudo de ti que é disfarce

nenhum dos espelhos percebe
no olhar a imagem se esquece

aquele que escapa ao reflexo
é o único que te reconhece

06 outubro 2005

Noite Alta

deste, que é o silêncio
ouvindo meus pensamentos
quando fora tudo é suspenso
mas por dentro nada cala

na hora em que tudo pára
no sono que a todos dorme
a voz, em sussurro, é alta
e a falta me tem repleta

neste, que é isolamento,
a solidão luta
e não escapa
nem da insônia das palavras
nem da ausência que a escuta

05 outubro 2005

No Escuro

teus olhos atiravam no escuro
e abriam feridas
em todos os poros do meu corpo


nem todos os crimes eu cometi
mas todas as mortes eu conheço

04 outubro 2005

O Espantalho da Vida

prescrutam-me sombras

sombras de rapina

quando menos espero, o bote!

e já estou dentro dos meus escuros


sou eu
entrevada que nem o diabo
imagina

nascida dos infernos
matéria do terror de existir
massa do desespero de ser

ali,
tão cega quanto um raio-x

meu esqueleto vital
o espantalho da vida
toda inteira
carcomida
dentro de mim

19 julho 2005

Ao Tempo

deixa ao tempo
é quase inútil teu lamento
é bem possível que as palavras
saibam menos que o silêncio

deixa
e contempla

as naturezas, sem esforço,
se movem, incham e encolhem

são o tempo

é bem provável que amanhã
já tão distantes tuas dores
não mais te alcancem como antes
senhoras já de alguma morte
que em ti viaja para sempre

12 junho 2005

Efêmero

o movimento
só é lançado
para o esquecimento

não há um só passo que não seja dado
para ser passado

nenhuma ação
apreende o tempo

efêmera é a alma da eternidade

instantânea a sombra de seu corpo

11 junho 2005

Um Caminhar

o tronco ereto sem esforço
passos leves, braços soltos

é uma música que caminha
a sinfonia de um corpo

o tom que o gesto empresta ao pensamento
refrão que a mente dita à estrutura
nenhuma nota escapa à harmonia
nenhum acorde agride a partitura

é toda a engrenagem afinada
o tempo natural do movimento
a sintonia de um corpo
a arte de não ter constrangimento

13 maio 2005

Um Ponto

muitos
caminhar não caminham
perseguem
um ponto da vida adiante

muitos
caminhar não caminham
fogem
de um ponto da vida de antes

muitos
caminhar não caminham
ficam num ponto da vida

distantes

16 abril 2005

Quebra-cabeças

o dia caiu esfacelado à minha frente
feito um quebra-cabeças
de ruas, cidades, gentes

no tempo trincado os destinos
foram todos misturados
de peças diferentes

não encaixa mais o mundo
não completa mais o jogo

mas a vida segue em frente

sempre a mesma,
indiferente

16 março 2005

O Pulso

no curso da veia, sangria
das horas passando, o pulso
do tempo do corpo, batendo
viver é só isso
uma vida do corpo vivendo e tudo, por dentro,
marcando percurso

10 março 2005

Ciência

não pode ser cientista
aquele que não tem fé
acreditar que uma estrela
pode ser mais do que é

também não se dá a ciência
a quem falta imaginação
para entrar no mistério das coisas
é preciso ter
solidão

09 fevereiro 2005

Diário

...e é como se o passo de cada passo
nas ruas
fosse antes um perder de pernas consentido
e é sangue o que sobra
dos pequenos acordos narrando o dia

Água Fria

parte de um silêncio da vontade

é refúgio
e solidão

sede de água fria, uma frieza que só as pedras
lá no fundo

dão