12 fevereiro 2007

O Luthier

ouço a música de madeira do luthier

sua escultura sonora
feita de vãos e cordas

músico sem partituras no pensamento
o luthier

seus acordes de curvas
as harmonias físicas

penso na música de arquiteturas do luthier
a construção de um templo
dentro do instrumento

casa do silêncio
seu métier

10 fevereiro 2007

Inverno

inverno
ilusão a tua
frio eu sinto é por dentro

não supões que o vento, apressado,
bate contra meu esquecimento?

não vês que é do centro
que a estação desenha o dia?

aqui, onde não alcanças,
está o calor que não aprendes

e o gelo

que nem imaginas

08 fevereiro 2007

Bravo!

que de ti possam dizer: foi bravo!
resignado em seu dever
de viver

e possam acrescentar: foi breve
a vida que te mereceu

possam lamentar
a impaciência do tempo
para curtir teu corpo
até perder a cor
até a alma
ficar transparente
ser o que não se vê
ser o que não existe

ser aquele que foi
simplesmente

um a mais
um a menos

resignado
em seu dever

de viver

Sede

não torna a água
já entornada

arrepende-se do rio que dela se enche
arrepende-se do oceano
o afluente

vira a sede do deserto
aberto no mar

06 fevereiro 2007

Olhos Teus

olhos teus em teus olhares passo
uma afortunada rebeldia dos lugares nas cores

e o tanto meu que resta
o tanto meu que é vício de ti reflete o dia

de dentro de teu olho que meu olho espia

Repara

repara de manhã como são leves
os teus infernos
e é lento no teu corpo o movimento, a pulsação

repara como muda o mundo dentro do teu tempo
e as mesmas juventudes ficam velhas
e suaves

repara que é a vida que te vive à tua revelia
e dia após o dia te descobre diferente

e sente como é breve a natureza que te apura
afina teus ouvidos, tira o pó dos teus olhares
e tu que nem reparas neste sol que te amanhece
não usas nem metade dos milagres que conheces

04 fevereiro 2007

O Destino

convences a Deus
mas não te podes perdoar

tua glória é alheia
tua recompensa, inútil

onde fostes te deixar
enquanto o caminho seguia
sem hesitar um futuro
sem dar ouvidos a nada?

onde foi que para ti
Deus se deu por satisfeito
e começou o teu calvário
bem íntimo, profundo
irrefreável

o destino

que agora te conta
frio, incontestável
sem suprimir um detalhe
sem dar desconto a nada!

03 fevereiro 2007

O Sonho

sonhei que tinha sonhado um sonho
um sonho que sonhava não se ter sonhado
um sonho que, por sonho, já não era dado
um sonho que, sonhado, era irreversível

sonhei que tive um sonho de ter me esquecido
e ter me misturado a tudo o que existia
a ponto de ser só o que eu não tinha sido
a ponto de ser sonho o que eu tinha vivido

sonhei dentro do sonho o sonho vigiando
em cada passo meu a solidão sem guia
de cada passo o tempo se desvencilhando
do olho alheio agora é que então me via

e o sonho do que eu era em mim se transformava
no sonho que me olhava e não me refletia
o sonho que eu sonhara é que me revelava
e justo neste ponto o sonho amanhecia

O Sol

eu imagino o sol, por dentro:
fogo no lugar do pensamento

o corpo sem contornos de um dia
incinerando o firmamento

e as cores
no lugar do tempo

eu imagino o sol, no fundo,
o núcleo de explosões no centro

as vísceras da chama no incêndio
a brasa de cada momento:

o fogo no lugar do tempo!

01 fevereiro 2007

Por si

deixar-se escrever. copiar-se em traduzido
consubstanciar-se

de se falar, ouvir
dar por escrito o que se quer ver
apagar
o terreno intocado de se viver

deixar-se ser
onde escrever nada narra, nada institui
nada é

sê palavra!

por si
: tudo diz